Banho de Maionese (1)
(Constança a narrar)
Entrei num café e pedi uma bica a qual o empregado afirmou servir-me de imediato. Agradeci, no entanto, após ter dado o primeiro gole, depressa dei conta de que toda a gente interagia menos eu e... O rapaz mesmo ao meu lado. Tinha vestido um fato de treino e avaliando como comia o seu croissã de chocolate e bebia o seu sumo de laranja natural, devia ter acabado de vir do ginásio perto deste estabelecimento, pois estava esgalgado de fome.
- Olá. - Disse amigavelmente. Não me respondeu. - Olá. - Nada. - Sabes, quando alguém te cumprimenta, é suposto retribuíres. - Finalmente olhou para mim, estava surpreendido.
- Olá. - Retribuiu numa versão mais tímida.
- Sou a Constança, muito prazer.
- Samuel. - Respondeu depois de um longo intervalo.
- Eu sou nova aqui na vila, portanto, não tenho amigos por perto. Achas que podes mostrar-ma?
- Depende. Segundo as circunstâncias, acabei de te conhecer, o que significa que a ligação entre nós é nula. Além do mais, a região não possui nada de extraordinário, o que pode variar perante a perspectiva de cada um.
Caso achemos que vale a pena, temos de considerar o nosso tempo livre, pois se na tua óptica a visita for interessante, provavelmente ficarás frustrada por não ser possível dar-lhe continuidade devido a um conflito hipotético. - O rapaz bebeu um pouco do sumo para pausar. - Mesmo que estejas inteiramente disponível, não sei se serei capaz de te providenciar a melhor transmissão de conhecimento, tal dependerá da tua interacção.comigo. - Eu estava nitidamente confusa. Hã?!!! - Desculpa, não consegui perceber se aceitaste a minha proposta ou não. - O Samuel olhou-me durante algum tempo.
- Depende. Segundo as circunstâncias, acabei de te conhecer...
- Espera, espera. Mais fácil - eu gostava de ver a vila independentemente das circunstâncias, estou aqui para me divertir.
- És epicurista? É uma escolha arriscasda.
- Sou o quê? - Ai, o que é que eu fui fazer?
- Epicurismo descende de Epicuro, um filósofo da Grécia Antiga que defendia a preservação total do prazer em detrimento das precupações. As célebres palavras carpe diem ou colhe o dia ligam-se à teoria em questão, tendo sido formuladas pelo poeta Horácio mais tarde.
O teu enunciado foi que estavas aqui para te divertir, se não procuras o equilíbrio entre o regozijo do ócio e o tédio das obrigações, a tua vida ficará instável a qualquer momento. - Não evitei rir-me.
- Não, não percebeste, estou aqui para me divertir agora, mas estou a licenciar-me em Psicologia para um dia arranjar trabalho. E tu, que fazes?
- Ingiro uma refeição leve para compensar o desgaste do exercício físico.
- Não, refiro-me à tua ocupação. Estudas ou trabalhas? O que fazes exactamente?
- Trabalho num call center de modo a ser apto a auto-sustentar-me. Porém, na verdade, nada mais faço do que falar com os sentidos e formular pensamentos através dos mesmos nesta fartura cheia de vazio.
- Ah... Óptimo. Eu cá gosto de sair com os meus amigos da faculdade, de curtir a noite e... O regozijo do ócio. - Soltei uma gargalhada, mas o Samuel não ma devolveu, limitando-se a comer. Outra tentativa foi atirada sem ele esperar. - Então, vamos dar uma volta ou quê?
- Lamento, mas ocorreu-me que eu possuo um conflito. - Em todo o processo de tirar o dinheiro do bolso e pô-lo no balcão, a vida do rapaz aparentava correr perigo, pelo que assim que o terminou, saiu do café.
- Ah, está bem, adeus. - Disse eu na esperança falhada de prolongar o contacto um pouco mais. - Ele é autista? - Perguntei ao empregado?
- Por incrível que pareça, conheço-o há alguns anos e sei tanto como tu. É provável que sim, ninguém sabe muito da sua vida, apenas que vem sempre aqui depois dos treinos, que come mais ou menos em meia hora e que vai... Fazer o quer que seja.
Fiquei a olhar para a porta enquanto matutava na situação. Creio que o assustei, não acabou o lanche. Sorri pela ideia de que uma amizade com aquela personagem invulgar seria interessante a valer.