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É Contar e Encantar

Com o que é que te apetece sonhar hoje?

É Contar e Encantar

Com o que é que te apetece sonhar hoje?

Um Pesadelo de Sonho

Olavo Rodrigues, 28.08.16

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Era hora da aula de Expressão Plástica. A professora tinha em mente um tema complexo, mas interessante para os projectos dos seus alunos. Silenciou a barulheira por ter levantado a secretária, o que provocou um terramoto ruidoso no chão. Os corações dos garotos quase explodiram.

Olhou para os miúdos espantados e um sorriso curvou-lhe os lábios para cima. Tinha a certeza de que eles iam gostar do tema do trabalho. Afastou-se da secretária e disse:

- Esta aula de Expressão Plástica vai ser diferente. Em vez de desenharem ou colorirem desenhos impressos, vão fazer algo mais complicado.

Ouviu-se uma lamúria colectiva.

- Chiu! Não quero barulho! Às vezes o que requer esforço árduo também é divertido. Quero ver o mesmo entusiasmo que têm a jogar um videojogo qualquer, quando fizerem este trabalho.

Sabem, ultimamente tem-se dito que a escola é uma seca do pior, que não cativa os miúdos, que se não fosse tão maçadora, haveria mais sucesso... Então, se vocês se queixam sempre que fazemos alguma coisa - a professora fez aspas com os dedos - secante, porque não fazemos algo diferente desta vez?

Isto pareceu captar a atenção dos alunos. Dirigiu-se ao centro da sala e concluiu o discurso com uma pergunta.

- Que tal fazerem cartazes sobre os sonhos?

Os miúdos ficaram nitidamente confusos. O que raio estava a professora a magicar? E se era suposto divertirem-se com o projecto, porque não podiam ser eles a escolher o tema? Eram miúdos e não havia ninguém que os percebesse melhor do que eles próprios. O que é que uma adulta quarentona, velhota e entediante sabia de seres daquela natureza? Trabalhos sobre desenhos animados ou jogos de vídeo seriam muito mais giros.

Como se as cabeças dos petizes fossem espelhos, a professora viu o que se passava nas suas mentes.

- Há pouco tempo atrás, à noite, estava a ver um documentário que falava sobre o tema que vos propus. Não falo dos vossos objectivos de vida, mas sim das pequenas histórias que vos surgem no subconsciente enquanto dormem.

O Gustavo levantou a mão.

- Sim?

- Porque não podemos antes fazer um trabalho sobre o Spongebob?

- Ou sobre o Minecraft. - Sugeriu o Armando.

- Ou então... - Antes de poder terminar a sua ideia, a Juliana foi interrompida por uma adulta que, apesar de não estar zangada, mostrava alguma amargura na voz.

- Nenhum desses temas é importante para a aula.

- Porquê? - Questionou a Luzia.

- Meninos, já vos expliquei a razão montes de vezes. Há tempo para trabalhar e tempo para brincar. E primeiro está o trabalho. Os temas que vocês propuseram só podem ser abordados na hora da brincadeira. Vocês têm que se mentalizar de que a escola não é assim tão má como pensam.

Oh, não! Lá estava ela outra vez! Os adultos faziam sempre o mesmo discurso gasto. Alguns miúdos debruçaram-se sobre a mesa e assentaram a cabeça nos braços em sinal de ausência.

- Vocês não gostavam de ser adultos para trabalhar? Bom, pensem nisto como sendo um emprego. A escola é fixe. A escola é a chave para várias portas. A escola é...

 - Uma seca! - Interrompeu o Gustavo.

A professora lançou-lhe um ar fuzilador, mas não teve tempo de lhe responder. Ao ver as palavras nascer na boca da mulher, a Juliana interveio.

- Ele tem razão, "stôra". Além disso, nós não precisamos da escola para aprender, há imensas outras fontes de conhecimento.

- E esta é a hora da brincadeira. - Começou o Armando. - É uma aula de Expressão Plástica, não devíamos poder ter o controlo criativo?

A professora agarrou na mesa e deixou-a cair no chão, provocando mais um terramoto.

- Silêncio! - Gritou autoritariamente, o que fez os miúdos sentir-se no exército momentaneamente. Assim que a paz foi restaurada, a senhora retomou a palavra.

- Oiçam, eu já não sei o que hei-de vos dizer. Este trabalho conta para a vossa nota. Se não quiserem fazê-lo, por mim, tudo bem, mas têm negativa. Sabem, quando tiverem um emprego, não vão decidir o que vos apetece fazer ou não...

Ouviu-se mais uma lamúria da turma. Mas será que os crescidos têm todos os discos riscados?

- Ó, "stôra"...

- Ninguém te pediu a opinião, Gustavo! - A professora estava definitivamente zangada. Olhou brevemente para os moços e depois num tom mais calmo, acrescentou:

- Vocês vão fazer este projecto e é um trabalho de grupo. Portanto, agora quero silêncio para eu vos mostrar como se faz um cartaz.

A turma iniciou uma explosão de protestos e lamúrias. A professora esperou que toda a gente se acalmasse para prosseguir, mas a avaliar pela situação, podia esperar sentada. Agarrou num pau de giz e iniciou uma mensagem no quadro com letras bem grandes, utilizando apenas maiúsculas. Aplicou tanta força no ponto de exclamação final que o giz se partiu. Tinha escrito: "NÃO QUERO SABER SE SABEM FAZER CARTAZES OU NÃO, MAS TÊM UMA SEMANA PARA MOS APRESENTAR!".

À medida que o tempo passava, os miúdos iam reparando na mensagem e a confusão atenuava. Ficaram perplexos e diante deles estava uma cota entediante que suava fúria. Depois de um momento de silêncio tenso, a adulta disse:

- Foram vocês que pediram.

A campainha tocou segundos após a afirmação da professora. Toda a gente arrumou e saiu. Alguns estavam pensativos, outros indiferentes e também havia quem achasse piada. Como se a «stôra» metesse medo a alguém.

No caminho para casa, o grupo de amigos composto pelos nossos heróis comentava o que havia acabado de acontecer.

- Meus, estamos tramados. - Disse o Gustavo. Ao que o Armando respondeu como se fosse a coisa mais natural do mundo:

- Não te preocupes, não há espiga. Ela é cão que ladra e não morde. Além disso, passa-se por tudo e por nada.

- Nós também fazemos asneiras por tudo e por nada. - Riu-se a Juliana.

- Não brinquem, é um caso sério. Eu sei lá como é que se faz um cartaz.

- Na boa. É para isso que serve a Internet, para aprendermos cenas. - Afirmou a Luzia descontraída.

Todos olharam para ela espantados.

- A sério? - Perguntou o Armando. - Aposto que é tudo mentiras, toda a gente pode escrever o que lhe dá na gana.

- Sim, mas temos de nos basear nalguma coisa, temos de começar por algum lado. 

- Cá para mim a "stôra" sonhou que nós íamos mesmo apresentar o trabalho. - Troçou a Juliana.

- Olha que não sei, ela nunca fez questão de partir giz para fazer um ponto de exclamação. Acho que foi mesmo a última gota.

- Só espero que a cabeça dela nunca expluda. - Atirou o Armando

- Porque raio haveria isso de acontecer? - Perguntou a Luzia.

- Coisas desse género estão sempre a acontecer em Bikini Bottom. 

- Achas a informação da Internet uma treta pegada, mas acreditas no que se passa no mundo do Spongebob?

- Vá, lá, pessoal, concentrem-se. O que vamos fazer? Querem ir à Internet como a Luzia sugeriu?

- Não perdemos nada, por mim pode ser. - Disse a Juliana e os outros dois apoiaram-na em uníssono:

- Por mim também.

 

Os miúdos encontraram-se na biblioteca da cidade no dia seguinte. Enquanto procuravam no computador a aparente complicada fórmula dos cartazes, comentavam o tema do projecto. Foi a Juliana que começou:

- Sabem, tenho andado a pensar. É verdade que o trabalho não é sobre uma coisa tão fixe como o Spongebob ou o Minecraft, mas até é interessante.

Porque será que sonhamos? Porque serão os sonhos de vez em quando histórias descabidas? Será que apesar de por vezes não fazerem sentido, têm algum significado importante?

- Boas perguntas. - Respondeu o Gustavo que vasculhava todas as páginas cibernéticas que encontrava.

No entanto, quem deu a resposta mais impactante foi a Luzia.

- Ah! Ah! Ah! Não sejam ridículos, os sonhos não passam de amontoados de memórias.

- Como é que sabes? - Questionou o Armando.

- Vi num documentário. - A Luzia estava com ar de sabichona.

- A ciência também se engana. - Refutou a outra rapariga, tentando fazer sobressair a sua opinião.

- É verdade, antes pensava-se que a Terra era plana, mas afinal é redonda. - Apoiou o Armando.

- Não, a minha mãe disse-me que era a Igreja que pensava isso. Os cientistas é que tentaram provar a verdadeira forma do planeta. - Interveio o garoto que não tirava os olhos do ecrã do computador.

- «Bah»! Os sonhos são só memórias e pronto. - Afirmou a Luzia ao cruzar os braços. Notava-se que estava a ficar amuada.

- Não são nada, têm significados. Então e aquelas pessoas que sonham com uma coisa que acontece mais tarde? - O tom da Juliana atingira o da outra menina.

- Essas são malucas.

- Ai sim? Vejamos o que dizes de várias pessoas terem o mesmo sonho. Isso é estranho. - Atirou o Armando.

- Chiça penico! É tudo inventado! - A Luzia havia acabado de explodir. Levantou-se da cadeira e discursou zangada. - O nosso cérebro recolhe informações do que vê, ouve, cheira, toca e sente sabor durante todo o santo dia! À noite, esses dados ou outros anteriores misturam-se e criam esquisitices nas nossas cabeças! Perceberam?!

- Porque estás chateada?! - Disse a Juliana também amarga.

- Porque eu estou a dizer-vos uma coisa e vocês insistem noutra!

- Já pensaste que podes não estar certa?!

A Luzia barafustou exasperada.

O Armando tentou acalmar a confusão.

- Tenham calma meninas, não é caso para tanto.

Contudo, apesar do esforço do rapaz, as raparigas continuavam a discussão fervente. Cada uma debatia-se para impor a sua ideia à outra a todo o custo, chegando a envolver insultos... E violência física!

A Juliana empurrou a menina com quem estava à bulha e esta colidiu com a secretária, derrubando-a juntamente com o computador usado pelo Gustavo. O estrondo espalhou-se por toda a biblioteca. Num piscar de olhos, havia uma data de bibliotecárias a repreender os miúdos. Todos tentaram apaziguar a situação e pôr-lhe panos quentes para que não lhes acontecesse nada, no entanto, os seus esforços foram inúteis e acabaram por ser expulsos, tendo a ira contagiado o resto do grupo. O Gustavo gritou já fora do edifício.

- Nunca mais vou com vocês a lado nenhum!

- Foi ela que começou! – Defendeu-se a Juliana.

- Não interessa quem começou! Eu estava sossegado no computador a investigar e de repente vejo-o cair no chão, juntamente com a Luzia! O confronto devia ter sido resolvido aqui fora, onde estamos agora! É que sabem, nós vivemos numa civilização! Quer dizer, pelo menos devia ser assim.

A sério?! É preciso andarem à batatada por causa dos sonhos? Parecem adeptas de futebol!

- Eu não teria começado a gritar se a Luzia, como tu dizes, soubesse viver numa civilização!

- Estás a chamar-me burra e primitiva?!

- Ei! – Ralhou o Gustavo para impedir outra contenda, mas depois suavizou a voz. – Vá lá, pessoal, nós somos uma equipa e temos de agir como tal se queremos ter uma boa nota. A "stôra" já nos lixou e vocês só ajudam.

Ficaram todos em silêncio durante um momento a reflectir, até que a Luzia decidiu quebrar a ausência de comunicação.

- Desculpem, mas não concordo. – Todos a olharam confusos. – Como líder desta equipa, eu declaro que a minha opinião é a soberana por ser a que tem mais fundamentos.

O Armando suspirou.

- Por favor, podemos esquecer quem é que tem razão ou não? Façamos o trabalho e pronto.

- Não. Eu não trabalho com incultos. – A Luzia mostrou claramente um tom desdenhoso.

- Estão a ver?! Estão a ver?! – Tentou sobressair a Juliana, porém, foi incapaz de se prolongar, pois o Gustavo fez-lhe um sinal com a mão.

-Então, não pertences a este grupo. Se te achas tão boa, porque não fazes um cartaz só teu?

A rapariga arrogante ficou atónita.

- Mas quem raio pensas que és?! Tu não podes mandar-me embora!

- Não sozinho. – Disse a Juliana ao pôr-se ao lado do rapaz. O Armando seguiu-lhe o exemplo sem demoras.

- O quê?! Não! Não podem expulsar a líder!

- Aqui não há líderes. Digamos que somos como aqueles monstros bué fortes com várias cabeças. E tu acabaste de ser separada do corpo, é doloroso, mas parece que tu não fazes muita questão de ficar.

A Luzia deitava fumo pelo nariz e pelas orelhas. Como se atreviam?! Estavam a cometer o pior erro das suas vidas, não seriam nada sem ela!

Num instante, a menina atacada decidiu-se. Não a queriam? Então, quis castigá-los, haviam de ter um zero bem grande e redondo para aprenderem!

- Sabem, que mais, está bem, eu não preciso de vocês!

Dito isto, os outros limitaram-se a virar-lhe as costas e a tentar resolver o assunto do cartaz, já que a biblioteca ficara fora de questão. A Luzia rosnou:

- Adeus! – E foi-se embora furiosamente.

E recebeu também uma despedida, tão seca quanto o deserto.

- Adeus.

 

Um tufão de oito anos atravessava as ruas a alta velocidade e ai de quem se metesse à frente! Quando chegou aonde morava, teve mais uma surpresa desagradável que quase lhe parou o coração. Era o Tobias, o seu novo vizinho e colega de turma que chegara à cidade há relativamente pouco tempo. Estava sentado no na beira do passeio a olhar para alguma coisa no chão que o divertia imenso. Só lhe faltava aquele! Ela não era a única a não gostar do miúdo, ninguém da turma gostava, chamavam-lhe esquisito.

A Luzia tentou passar por ele sem lhe dirirgir o olhar a fim de o evitar. Contudo, a sua curiosidade traiu-a e olhou de relance para o menino, uma vez que estava desejosa de saber ao que é que achava tanta piada. Que bela treta! Não passavam de formigas parvas! Ouviu de repente:

- Olá, Luzia.

A menina azeda devolveu o cumprimento secamente e continuou a andar, só que ainda mais depressa. Mas o Tobias não estava disposto a deixá-la. Assim que ela chegou à porta, foi arreliada por outra pergunta.

- Tens algum companheiro para o trabalho de grupo?

Eh, lá! Como é que ele sabia do projecto? Não esteve na aula nem tinha amigos dentro da turma. A Luzia irou-se rapidamente para ele:

- Como é que sabes isso?!

- Fui ter com a "stôra" à hora de atendimento dela e perguntei pelas novidades.

A rapariga suspirou.

- Não, não tenho um companheiro. Mas também não estou interessada.

- Ah… É um trabalho de grupo.

- Não quero saber! – Disse a menina agressivamente.

- Mas assim tenho zero.

A Luzia levou as mãos à cara e desceu-as. Tinha de acabar com o assunto antes que dissesse ou fizesse algo de que se arrependesse!

- Se eu te deixar ser o meu par, paras de me chatear?

- Ah… Claro.

- Óptimo! Então, vai ser assim: eu faço tudo e tu não me atrapalhas. Limita-te a ficar sossegado e a ter uma nota brilhante.

- O quê?

- Ouviste-me bem!

Após a última deixa, tocou à campainha com força. O Tobias achou por bem voltar para as suas formigas, pois talvez fosse melhor não insistir em mais nada naquele dia.

A mãe da Luzia abriu-lhe a porta. O pai estava no sofá a ler o jornal descansado e depois de ouvir um "boa tarde" muito mal dito e um vulto, olhou para a mulher que também não percebia o que se passava. O casal concordou em não interrogá-la de momento, preferia esperar que se acalmasse para depois tentar falar.

No quarto, a menina frustrada começou logo a pensar em como ia fazer o seu fantástico cartaz. O sabor de dar a provar aos outros miúdos a futura e clara qualidade superior do seu projecto, já lhe fluía no ser só de pensar. E adorava-o! Estava ansiosa por lhes esfregar o facto na cara.

Mas subitamente, quando ia a caminho de ter com os pais para lhes pedir dinheiro para que pudesse comprar os materiais, o seu empenho em trabalhar fora cortado pela angústia da discussão. Sentia-se de mau-humor e sabia que naquele estado não iria conseguir fazer bem a tarefa.

Então, mandou os lençóis e os cobertores para trás, deitou-se e voltou a tapar-se. Talvez uma pequena soneca lhe fizesse bem, não fazia mal, ainda havia de faltar um bom tempo para as apresentações.

Claro que corria o risco de os seus antigos sócios mostrarem o seu projecto primeiro e brilharem antes dela, mas a sua consciência continuava tranquila o suficiente para cair num delicioso e profundo sono revigorante.

Tinha mais do que a certeza de que até podia hibernar, porque quando acordasse, ainda os veria atrapalhados. Sendo assim, marcou uma hora no despertador e deixou o João Pestana levá-la durante um bom bocado.

Quando acordou, sentou-se na cama e bocejou, espreguiçando-se como se estivesse a tentar chegar a outras pontas do planeta. Porém, quando olhou para o relógio em cima da mesa de cabeceira, assustou-se. Dormira de mais e ainda não tinha começado nada, se os outros tivessem conseguido alguma coisa, estava bastante atrasada.

Estranhou o despertador não ter tocado, no entanto, concluiu depressa que podia não ter posto bem o alarme. Ainda não era de noite, mas para lá caminhava, portanto, apressou-se a saltar da cama.

- Mãe?! Pai?! Posso ir à papelaria?! - Gritou tão alto como se tivesse um megafone.

Não ouviu uma resposta. Tentou outra vez, mas ainda mais alto.

- Mãe?! Pai?! - Nada.

Foi até à sala de estar. Não encontrou ninguém. Voltou a chamar os pais, mas o resultado foi o mesmo. Acabou por reparar na mala da mãe pendurada numa cadeira da cozinha. A sua mãe levava-a sempre que saía. Por que razão a teria deixado desta vez? Para onde raio teriam ido os dois? "Que estranho!" - Pensou.

Mas voltou a passar-lhe com facilidade porque estava com imensa pressa. Aproximou-se da mala e da carteira tirou uma nota de dez euros. Já que os pais não estavam, ela tomava a iniciativa. Como sempre, achava-se capaz de resolver o problema e por isso, não pensou duas vezes em pôr a autorização dos seus "chefes" de parte.

Assim sendo, saiu de casa rumo à papelaria para comprar a cartolina do seu magnífico trabalho.

Tinha de ser rápida. Apesar de gostar de se armar em valentona, a Luzia lá no fundo estava com um nervoso miudinho por ter saído sem permissão. E a papelaria ficar longe da sua casa não era uma grande ajuda. Havia uma perto de si, mas o Presidente da Câmara fechou-a, obrigando a menina a ir até à outra ponta da cidade. Ninguém sabe o porquê de o autarca ter feito essa palermice, mas dificultou de facto a vida da Luzia.

Outra coisa que afligia a moça eram os perigos da noite numa cidade tão grande… Que no momento actual estava 100% vazia! Não havia nada nem ninguém para além da Luzia na rua: nem humanos, nem animais abandonados, que costumavam ser mais que as mães... A menina andava agora pelas ruas confusa.

Era verdade que estava a ficar tarde, contudo, por esta altura ainda era hábito a cidade mostrar sinais de grande vida. Só deixava de estar activa para aí à volta das 23:00 e mesmo assim, não completamente.

Neste momento, eram apenas 18:00 num dia de Inverno. E no entanto, a cidade parecia um deserto com edifícios em vez de dunas. Nada de nada. A coisa mais activa era o corpo de Luzia e os seus ténis eram os únicos a quebrar o silêncio. A situação tornava-se cada vez mais bizarra.

Chegou a passo acelerado à papelaria e pôde reparar que estava aberta, mas não havia lá ninguém. Olhou à volta e pensou: «ok...!» Entrou facilmente, pois a porta não estava trancada. De seguida, dirigiu-se rapidamente à zona das cartolinas e tirou uma ao acaso. Começava a ficar assustada e a desejar que o quer que estivesse a acontecer, acabasse depressa. Foi deixar o dinheiro no balcão. Deu de mais, mas o que podia fazer? Não havia ninguém para lhe dar o troco.

Saiu da papelaria pensativa. De súbito, sentiu um toque no ombro. Virou-se, mas não viu ninguém.

- Aqui atrás. – Disse uma voz.

A Luzia tornou a voltar-se. Não podia acreditar! Era o Tobias! Bem, era verdade que nunca tinha visto alguém mais esquisito, no entanto, pelo menos podia satisfazer a sua fome de contacto humano.

- Tobias! – Exclamou a rapariga contente.

Deu-se um momento de silêncio. O rapaz não devolvera a excitação, aliás muito pelo contrário, tinha um ar sério e pesado.

- Está tudo bem? – Perguntou a menina preocupada.

- Tu trataste-me mal há bocado. Foste muito bruta.

- Ah, não me ligues…

- Eu não gosto de que me tratem mal. – O Tobias aproximou-se da rapariga e ficaram cara-a-cara. – O que quiseste dizer com eu não te atrapalhar?

- Ah… Ouve, tens razão, não foi fixe da minha parte, desculpa.

A Luzia tentou ir-se embora, afinal preferia ficar sozinha. Porém, o Tobias não a deixou e agarrou-lhe o braço.

- Isto não vai ficar assim. – Afirmou o rapaz que apertava o braço da miúda com força.

- Hei, larga-me, estás a magoar-me! – De súbito, percebeu que o Tobias a olhava fixamente e aquele ar pesado e arrepiante estava a dar-lhe cabo dos nervos. – Larga-me!

- Tu não vais a lado nenhum. Estás aqui só comigo, não há mais ninguém.

A menina arregalou os olhos.

- Estás condenada, Luzia! – Gritou o miúdo com uma voz muito grossa e abrangente.

- Como?! – O vozeirão pusera-a a chorar.

Em menos de nada, a Luzia estava imobilizada no chão, tendo só dado conta quando o Tobias acabara de lhe restringir os movimentos. Este por sua vez tinha crescido imenso em segundos e estava em cima dela.

De repente, a rapariga deu o grito mais aterrador de toda a sua vida. A cara do Tobias…! Não era a dele, não era humana! O rosto de um miúdo de oito anos dera lugar a uma cabeça monstruosa! Os dentes eram grandes e estavam podres!

A criatura rosnou ao mesmo tempo que a miúda se debatia, chorava e gritava desalmadamente como se o monstro já a tivesse magoado profundamente.

A besta mostrou as garras enormes de uma mão e estas continham um líquido esquisito e viscoso. Quando a Luzia as viu, debateu-se ainda com mais força, mas evidentemente sem qualquer sucesso.

Finalmente, já satisfeito com o desespero da vítima, o monstro decidiu atacá-la. A Luzia só teve oportunidade de ver aquelas garras grandes e afiadas a dirigir-se-lhe à testa. Acabara tudo de vez… Ali.

 

No entanto, sem mais nem menos, viu uma parede. Estaria no Céu? Não. Era uma parede que lhe era bastante familiar. Parecia ser do seu quarto. Ei! E era! As prateleiras com os seus brinquedos preferidos eram inconfundíveis. Nunca tinha saído da divisão.

Entretanto, ouvia um ruído estranho, mas depressa deduziu que vinha do despertador. Lá estava exactamente a hora que marcara. Desligou-o. Da janela chegavam raios de sol reluzentes que não eram muito calorosos e reconfortantes, uma vez que era Inverno, mas não podiam ser mais bem recebidos pela Luzia.

- Ena, que grande susto. – Ouviu a rapariga.

Ai! Reconhecia a voz! A Luzia foi virando a cabeça devagar com o coração a mil… E sim. Infelizmente, acertou no proprietário. O Tobias estava sentado numa cadeira ao pé da porta do quarto, mas desta vez era novamente um miúdo e também sorria. Estaria a gozar com a rapariga?

A menina encostou-se à parede com o horror nítido na cara e na voz.

- Como é que entraste aqui?!

- Os teus pais saíram e deixaram-me entrar.

A Luzia não conseguiu evitar desabar em lágrimas.

- Quem és tu e o que queres de mim?!

- Tem calma, eu não quero magoar-te. Aliás, muito pelo contrário, peço imensa desculpa por te ter assustado daquela maneira, mas foi necessário.

- Ainda não respondeste às minhas perguntas. – Disse a miúda agora mais calma, porém, claramente confusa.

- Neste momento, creio que eu não sou importante. Acho que devias perguntar isso a ti mesma. Quem és tu, Luzia? O que queres de ti?

- O quê?! – Perguntou a rapariga outra vez irritada. – Tu não podes simplesmente assustar-me de morte e….

- Luzia, foca-te! – O tom do Tobias não foi agressivo, mas sobrepôs-se ao da garota. Ela decidiu ceder.

- Eu sou a Luzia Martins, frequento a Escola Primária D. Afonso XVI e penso que sou boa aluna a Português, portanto, não terei dificuldade em ser uma grande jornalista como sonho. Pronto, a minha profissão predilecta é o que mais quero de mim.

- És uma boa aluna a Português, disseste tu. Então e o inglês? Tens de saber essa língua estrangeira no mínimo, os jornalistas não trabalham só com o idioma materno.

- Sim, é uma coisa que tenho de melhorar.

- Ah, então afinal tens defeitos.

- Eu não disse isso. Querer fazer uma melhoria não significa que seja má.

- Sim, é verdade, mas se não fosses má a inglês, tê-lo-ias referido, mas não o fizeste e eu sei que tu sabes quais são os requisitos para o bom jornalismo, tu pesquisas. Tens vergonha da tua falha.

- Não, só me esqueci de a mencionar.

- Isso é uma desculpa esfarrapada.

A menina não esteve à altura durante algum tempo, mas desbloqueou por fim:

- Bem, então e tu? Não queres responder-me, é porque tens algo de errado que estás a esconder.

- Nós ainda não acabámos o teu caso. Tem calma. Vou fazer-te as perguntas de outra maneira: quem és realmente tu e o que é queres realmente de ti? Achas mesmo que ser jornalista é o mais importante?

Ela não respondeu.

- Muito bem, a profissão que queres seguir relaciona-se com histórias, por isso, vou contar-te uma digna de primeira capa.

Era uma vez dois reinos, um mais rico que o outro. O rei do reino mais pobre invejava o vizinho, invejava-o tanto que a cada dia que passava lhe caía sempre um fio de cabelo. Isso frustrava-o imenso, porque a certa altura começou-se a notar a falta de cabelo e já tinha apanhado alguns nobres a gozar com ele nas costas.

Tinha que fazer alguma coisa depressa antes que ficasse completamente careca e sem o respeito dos cortesãos. No entanto, a única maneira de se livrar da angústia era preencher o vazio que sentia, mas para isso tinha de inverter a balança dos reinos.

Então, certo dia, o rei mais pobre atravessou a fronteira para falar com o mais rico. Quando entrou na sala do trono, ficou pasmado. Era muito bonita, com imensos objectos de ouro e havia pedras preciosas por todo o lado. O próprio rei abastado era a riqueza em pessoa por usar tecidos caríssimos e uma coroa e um ceptro que quase fizeram o outro babar-se.

O anfitrião disse contente:

- Ora viva, bem-vindo sejas! Ei, estás a ficar careca?

- Não! Foi o idiota do meu cabeleireiro que se enganou. – Resmungou o convidado ao aproximar-se.

- Então, o que te traz por cá?

- Por favor, imploro-te, diz-me o teu segredo.

- O meu segredo?

- Sim, como é que és tão rico?

- Ah! Há muito tempo, quando ainda era novo, salvei a filha do rei dos elfos e ele deu-me poderes mágicos. Agora basta estalar os dedos para ter o que quiser.

- Achas que o rei dos elfos também me daria poderes?

- Duvido, não são para qualquer um, eu tenho-os, porque sou especial. Porém, são temporários, tenho de ir à Floresta Encantada de vez em quando para os renovar.

O facto de a magia do rei rico ser finita deu uma ideia ao pobre. Portanto, à noite, entrou no castelo do outro às escondidas e com a ajuda de alguns soldados, raptou-o e pô-lo nas masmorras do seu reino. O invejoso era parecido com o preso, por isso, na manhã seguinte, vestiu as suas roupas e foi ter com o rei dos elfos. Este por sua vez, recebeu-o surpreendido.

- Já estás aqui outra vez? Então, eu não te renovei os poderes na semana passada?

- Pois, não sei o que aconteceu, deixaram de funcionar de repente. – Mentiu o rei pobre.

- A sério? Que esquisito.

O líder dos elfos lançou um feitiço sobre o recém-chegado, que saltou de alegria depois de se ver com magia. Voltou para o seu lar todo contente e a planear muitos projectos.

Contudo, com o passar do tempo, as pessoas à sua volta foram deixando de se dar com ele. Tinha-se tornado muito arrogante e antipático, afirmando sempre que os outros não tinham valor e que não precisava de ninguém.

Certo dia, os exército do rei rico e dos elfos entraram pelo castelo do reino pobre adentro para reaver o prisioneiro. Como já o tinham procurado em todo o lado nas suas terras, decidiram verificar a que faltava e alarmaram-se quando ouviram gemidos vindos das masmorras.

O rei dos elfos estava possesso! Tirou os poderes ao rei mentiroso e este por ter agido mal em relação a toda a gente, foi expulso do seu lar, encontrando-se agora sem magia nem amigos. Assim sendo, a sua queda de cabelo continuou sem parar, visto que se relacionavaa com uma frustração muito mais profunda que ser pobre.

Vitória, vitória, acabou a história. – Concluiu o Tobias sorridente.

- Isso não serve para o jornalismo, é um conto para crianças. – Disse a Luzia.

- O que conta é a intenção. Percebeste a moral? Eu acho que se adequa perfeitamente a alguém que eu conheço.

- Pois. – Retribuiu ela secamente.

O rapaz suspirou.

- Olha, Luzia, tu tens razão, de facto és uma miúda com grandes capacidades. Mas acredita que estás a ser muito tonta ao pensares que és superior por causa delas.

- Não, estou a ser realista.

- Ai sim? Então, diz-me lá porque é que não conseguiste livrar-te de mim no pesadelo?

As palavras tentaram nascer na boca da garota, mas não conseguiram. Houve outra tentativa e o resultado foi o mesmo. A Luzia sentiu uma angústia interior a consumi-la. Queria dizer das boas ao Tobias, porém, simplesmente não o podia.

Apeteceu-lhe gritar ou explodir de raiva. Raios! Não havia volta a dar. A voz do miúdo estranho ganhou um tom indignado e desagradável, ao levantar-se.

- Se eu quisesse, não estarias aqui agora! Se eu quisesse, prolongaria muito mais o teu sofrimento! Tu conseguiste fazer alguma coisa para me impedir?! Não!

Aquilo que me fizeste a mim e aos teus amigos é inadmissível! Ter poder não significa poder tudo, porque como viste o rei pobre acabou pior do que estava!

A Luzia não sabia como reagir, só olhava para ele pasmada. E se voltasse a transformar-se? Actualmente mais calmo, voltou a sentar-se.

- Ser feliz a fazer bem aquilo de que gostamos é óptimo, claro que sim. Mas de que serve isso se não podemos partilhá-lo com alguém? É mais fácil encontrar uma agulha num palheiro do que encontrar amigos no verdadeiro sentido da palavra. Achas mesmo que vale a pena estragar a macieira só por causa de uma minhoca minúscula e insignificante?

- Não.

Ela começava a ficar mais consciencializada. Não gostara do tom do Tobias, por isso, percebera finalmente como tinha sido cruel para com quem adorava.

- Então, vai recuperar os teus amigos e trabalha em conjunto. Lembra-te: a melhor felicidade é a colectiva.

- Então e tu? Precisas de um parceiro.

- Não te preocupes, eu cá me arranjo.

- Bom, a tua ideia é muito bonita, mas não faço ideia de onde é que eles estão.

- Eu faço. – Disse o rapaz misterioso a sorrir de orelha a orelha.

Após um estalo de dedos, tudo se tornou branco ofuscante durante breves momentos para a seguir dar lugar a uma imagem desfocada que foi ficando nítida.

Aos poucos e poucos, a Luzia foi reconhecendo a pessoa à sua frente. Era a Juliana! E parecia preocupada. Numa tentativa de compreender melhor o que se passava, a rapariga deitada e ainda zonza, olhou à volta, reparando que ainda estava na biblioteca. Uau! Não era nada estranho...

- Estás bem? – Perguntou a amiga amavelmente.

- Ah… Hei-de ficar, obrigada.

De súbito, a Luzia apercebeu-se de que a Juliana não estava sozinha, ao pé dela encontrava-se o resto do seu grupo de amigos, todo ele atento ao seu mal-estar. 

- Anda, levanta-te. – Afirmou a amiga enquanto lhe estendia a mão.

A menina atordoada aceitou a ajuda, porém, ao ser erguida, sentiu o efeito da queda a castigá-la.

- Mais devagar, por favor. – Pediu ao expressar a dor.

Por fim, com muito de cuidado, voltou à posição vertical, mas não conseguia mantê-la sem ajuda. A Juliana e o Armando socorreram-na o mais depressa possível, envolvendo os seus pescoços nos braços da amiga.

- Se calhar é melhor sentarem-na. – Aconselhou o Gustavo que teve como resposta obediência imediata.

O gerente da biblioteca reparou na miúda aleijada já consciente e decidiu verificar o que tinha acontecido.

- Então, mas o que é que se passou? Está tudo bem?

Os rapazes olharam para as raparigas, que pressionadas olharam uma para a outra. Baixaram a cabeça e de repente instalou-se um silêncio pesado e penoso. Nenhuma se sentia disposta a falar com a outra, estavam bastante magoadas uma com a outra. Como se não bastasse, o orgulho era um muro enorme, dificílimo de saltar.

Entretanto, a menina que caiu lembrou-se do que conversara com um certo rapaz esquisito, mas que embora custasse a admiti-lo, tinha razão em relação ao assunto.

- Bem, ainda não. – Disse a Luzia. Inesperadamente, dirigiu-se à Juliana. – Desculpa. – A outra garota olhou-a. – Desculpa por ter sido bruta e não ter respeitado a tua opinião. Acho que não valeu a pena fazermos muito barulho por nada.

- Sim, tens razão. Desculpa por te ter atirado contra a secretária do computador, deves estar feita num caco.

- Iá. – Queixou-se a amiga da Juliana enquanto levava a mão às costas. Doía-lhe só de pensar.

- Fico feliz por terem feito as pazes, mas resta um problema para resolver. O PC partiu-se e lamento, vou ter de falar com os vossos pais sobre isso. – Interveio o gerente.

- Tudo bem, nós compreendemos. – Responderam as raparigas em uníssono. Em seguida, olharam uma para a outra e riram-se.

- Outra questão – disse o Gustavo – e quanto ao trabalho?

- Bem… Já que eu fui a causadora da confusão, amanhã podemos encontrar-nos na minha casa e usar o meu computador. – Sugeriu a Luzia. Todo o grupo concordou.

A menina magoada ligou à mãe para lhe pedir que a fosse buscar a ela e aos amigos. Contudo, embora tivesse resolvido o seu problema com a Juliana, ainda restava um assunto para deixar em pratos limpos.

- Ei, alguém viu o Tobias? – Perguntou.

- O esquisitóide lá da escola? – Disse o Armando. – Não. O que queres dele?

- Nada. Pareceu-me tê-lo visto.

A Luzia sentia-se desconfortável em relação ao encontro com o miúdo... Diferente Será que fizera apenas parte do sonho?

 

O dia da apresentação tinha chegado por fim! Felizmente, com orientação dos pais da Luzia e das instruções da Internet, os garotos lá conseguiram elaborar um cartaz. E para a primeira vez, não era nada mau. Era bastante criativo, cheio de cores e ilustrações feitas pelos autores. A nota foi a esperada, contudo, a rapariga anteriormente arrogante, não percebia a ausência do Tobias. Tanta tagarelice para depois deixá-la pendurada no seu momento de glória? Melhor: no momento de glória dela e dos amigos?

Após o toque do recreio, disse aos companheiros que precisava de ir à casa de banho. O que diriam se lhes contasse que procurava o esquisitóide?

A menina revistou a escola toda – investigou todos os cantos, todas as árvores, viu debaixo de todas as pedras… Não era um rapaz como os outros, tudo era possível. A Luzia escavava na caixa de areia quando ouviu:

- O que procuras?

Ela assustou-se. Virou-se e o grande sorriso do Tobias quase a cegou. Devolveu-lho, respondendo:

- Tu. – E saiu da caixa de areia para se aproximar. – Tens de parar de aparecer sem eu estar à espera, é desagradável.

- Mas giro. – Afirmou o rapaz enquanto gargalhava.

- Não apresentaste nenhum cartaz, vais ter negativa.

- Não, eu inventei que vou para a Escócia.

- Creio que é um plano rebuscado para te baldares, olha que assim tens de ir mesmo.

- Oh, não, eu vou-me embora, mas não para a Escócia, disse um local conhecido para não dar nas vistas.

 A Luzia fitou-o com um ar sério e interrogador. Tinha de saber a verdade de uma vez por todas.

- Não sei se te lembras, mas deves-me duas respostas. Quem és tu? O que queres de mim? E já agora aproveito: de onde vens?

- Parece-me justo: sou o teu anjo da guarda, quero que te tornes na mulher mais feliz do mundo e claro está, venho de um sítio especial, bem lá em cima.

O Tobias reparou que a expressão da sua protegida mostrava uma mistura de espanto e ao mesmo tempo, tristeza. Ela ficou sem falar durante algum tempo, contudo, disse finalmente:

- Então… Vais voltar para lá? – O anjo confirmou com a cabeça. – E nunca mais estarei contigo?

- Bom… Não vou mentir-te – é verdade que não tornaremos a ver-nos fisicamente nem teremos mais conversas

- Espera, mas sendo assim, como é que comunicamos? – Questionou a garota confusa.

- Não te preocupes, acredita que a gente se entende. – O Tobias sorriu. – Em seguida, deu um grande abraço surpresa à miúda, que foi recompensado com o mesmo carinho.

Peço desculpa por ter sido bruta para ti. – Disse a Luzia.

- Ora essa, quem não erra só cresce para cima… Adeus, amiga, adoro-te de paixão.. Até uma próxima.

- Adeus. – Devolveu a menina alguns segundos depois de dar conta de que já não abraçava ninguém. A Juliana e o Armando apanharam-na em flagrante e agarraram a oportunidade para reinar.

- A queda fez-te mal, Luzia. – Troçou a primeira.

- Foi da tua dignidade que te despediste? – Atirou o rapaz.

A rapariga que antes se encontrava sozinha, entrou na brincadeira com uma gargalhada. Contudo, seguiu-se uma frase séria:

- Sabem, se eu sou louca por não ser louca como este mundo, então, bem-dita seja a minha loucura. Ser diferente não é mau, mas sim divertido.

- Muito bem dito. – Apoiou o Armando. – No entanto, agora não é a altura certa para filosofar, a mãe do Gustavo trouxe-nos bolo de chocolate para o lanche.

- É melhor despacharmo-nos antes que ele coma tudo. – Complementou a Juliana.

E com as barrigas a dar horas, as crianças correram prontas para se empanturrarem.

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