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É Contar e Encantar

Com o que é que te apetece sonhar hoje?

É Contar e Encantar

Com o que é que te apetece sonhar hoje?

O Casamento Grande

Conto Infantil

Olavo Rodrigues, 24.03.22

Era uma vez uma princesa grande, muito grande mesmo, que era tão alta como três homens. Além disso, gostava imenso de comer, portanto, ficou gordinha e passou a ocupar ainda mais espaço. O Rei, que não sabia o que fazer à filha, estava desesperado para lhe arranjar um marido, pois ninguém queria casar com uma rapariga gigante e roliça.

«Ainda me derruba uma parede», refilou um príncipe. «E quem é que lhe dá de comer? Cada refeição é uma mesa cheia só para ela», resmungou outro. A Princesa, claro, ficava perdida de tristeza quando ouvia estas maldades, por isso, mandou os homens todos à fava e fugiu sem deixar rasto.

O Rei, que já tinha muito com que se preocupar, pior ficou. Acompanhado de uma escolta, foi dar com a filha numa clareira e esconderam-se em arbustos. Ela estava rodeada de pessoas pequeninas que tinham um terço do tamanho de um homem. Havia uma multidão daqueles pequenotes que se entusiasmavam com a companhia da Princesa e ela segurava um trevo de ouro que os outros aplaudiam.

Nove puseram-se às cavalitas uns dos outros, com cambalhotas no ar e outras acrobacias, à medida que formavam uma torre para se aproximarem do rosto da gigante. Os soldados começaram a avançar, mas o Rei impediu-os. Queria perceber o que ali se passava, porque os pequeninos não tinham armas e estavam felizes com a Princesa. Mais do que gostar dela, pareciam admirá-la. Balançando para um lado e para o outro, devagar lá chegaram ao pé da rapariga, que trocou um beijo com o homenzinho do topo. Depressa se ouviu:

— Agora é a minha vez!  

Com algum jogo de cintura, os pequenotes trocaram de posição sem desfazer a torre. Agora quem estava em cima era uma mulherzinha, que também trocou um beijo com a Princesa. Hora de mudar de posição novamente. Ouviram-se umas resmunguices no processo: «vê onde pões os pés!»; «está a demorar muito, então e eu?»; «aquele passou-me à frente!».

— Calma, eu chego para toda a gente. — Disse a Princesa, rindo-se. O Rei mostrou-se sem mais nem menos, não conseguindo esconder a surpresa. Os soldados foram atrás.

— Minha amada filha, quase me mataste de preocupação! Mas o que vem a ser isto?

— Pai! Que bom ver-te! Não te aflijas, pois estou em boas mãos com a minha nova família.

— Como assim? Então e o teu casamento?

— Eu já estou casada.

— Com quem?

— Com todos eles. Tenho uma vila inteira de maridos e mulheres. Na verdade, estamos todos casados uns com os outros e olha! Eu sou a esposa mais bonita. Ganhei o concurso de beleza. — Disse a abanar o trevo de ouro.

— Não percebo… — Um dos pequenotes explicou:

— Somos unha com carne em tudo: no amor— num instante, todos eles se amontoaram para formar um coração — na lealdade — agora eram um soldado enorme a fazer continência — na hospitalidade — mal ele tinha dito isto, formaram uma casa — entre muitas outras coisas. — Finalizaram ao separarem-se.

— Todos dão tudo irmãmente e assim se faz uma grande família unida. — Acrescentou uma mulherzinha. — Claro que, como em qualquer família, há zaragatas, mas a tua filha é excelente a comunicar.

— Desde que aqui chegou, pelo menos, ninguém tem atirado tomates à cara de ninguém. — Completou um homenzinho.

— E é tão gira! — Gritou outro a saltar. — Quero outro beijo!

— Nem penses! Agora sou eu!

— Vocês já receberam um! Têm de dar a vez aos outros! — Num estalar de dedos, estava o caldo entornado. Foi então que a Princesa bateu palmas, o que bastou para os pequenotes pararem com o alvoroço.

— O que é que se faz quando se está nervoso? — Os pequeninos começaram a respirar fundo. — Isso. Quem era a seguir eras tu, que eu lembro-me.

— Filha, enches-me de orgulho! És uma rainha nata, porque sabes organizar e comunicar com uma comunidade.

— Não sou uma rainha. Sou um membro da família.

— O que quer que sejas, faze-lo bem e, estejas aqui ou no Reino, estou tão aliviado por seres feliz e eu não ter de ir dormir todas as noites com os olhos em água. Promete que me escreves e visitas.

— Mas é claro, querido pai.

O Rei e a Princesa despediram-se com um abraço longo. Nos tempos que se seguiram, como prometido, ela visitou o pai, levando consigo uma multidão de pequenotes que animavam as festas com espetáculos de acrobacias e encenações com os bobos da corte. Que ricos artistas!

Os príncipes rezingões, como casaram por dinheiro, pela aparência ou porque não encontraram ninguém melhor, acabaram com princesas tão más e rezingonas como eles, que os tiravam do sério.

Vitória, vitória, acabou a história!

Última Hora: o Trump quase Quinou!

Olavo Rodrigues, 06.06.19

ACTO I

Cena 1

(DONALD TRUMP/JORNALISTAS FIGURANTES/QUINO)

TRUMP está ao púlpito, numa conferência de imprensa, rodeado de jornalistas)

 

TRUMP

Eu vou tornar a América grande outra vez. O Partido Republicano está mais diversificado do que nunca. Espero que nos unamos, porque voltaremos a ser fortes como antes.

Há alguma questão?

 

(QUINO levanta a mão)

 

TRUMP

Há alguma questão?

 

QUINO

Sr. Trump? Aqui. 

 

TRUMP

Então e você? O senhor da esquerda. 

 

QUINO

Sr. Trump!

 

TRUMP

Sim?

 

QUINO

Boa tarde, chamo-me Quino Velásquez e «soy» do Wild News. Na semana passada o «señor» disse que favoreceria a classe média «si» se tornasse presidente. Com que medidas é que vai ajudá-la?

 

TRUMP

Desculpe, mas não vou responder-lhe. Eu não conheço o seu jornal e não sei se é ilegal. Próximo!

 

QUINO

Desculpe, mas o jornal para o qual eu trabalho é perfeitamente... 

 

TRUMP

Está despedido! 

(Efeito sonoro de disco riscado)

 

QUINO 

Ah... não está no seu programa. 

 

TRUMP

Oh! Vai-te (som de censura)! 

 

 

ACTO II

Cena 1

(JOHN/FRANK

JOHN e FRANK abrem o telejornal com a notícia da luta entre TRUMP e QUINO)

 

JOHN

Boa tarde! Notícia de última hora: um jornalista mexicano agrediu Donald Trump numa conferência de imprensa depois de o magnata o ter insultado, Vamos ver as imagens. 

 

(Enquanto o vídeo decorre, um novo cenário é preparado para os actores, que se encontrarão numa sala de estar. Estes serão revelados pela iluminação no fim do vídeo)

(Vídeo:

QUINO atira o microfone à cara de TRUMP, acertando-lhe. Com uma reacção imediata, os seguranças correm para o prender)

 

JOHN

Que cenário chocante, Frank! Quem diria que o grande Trump seria agredido por um jornalista. 

 

FRANK

(Levanta-se e grita)

Eu dizia! Aquele parvalhão devia ser espancado pelos piores gangues dos Estados Unidos... ao mesmo tempo! Eu levava o meu cão para o comer e depois cuspia-lhe na cara toda! E se ele não morresse depois disso, enterrava-o vivo!

 

JOHN

(Tenta acalmar FRANK, fazendo-o sentar-se)

Muito bem, voltamos já a seguir. 

 

(Fim do vídeo)

 

ACTO III

Cena 1

(KRIS/LEONARD)

 

KRIS

Uou! Isso é que é falar! Era mesmo o que aquele palhaço merecia! Força, mexicanos!... E Frank!

 

LEONARD

Não! Não acredito que estás a defender quem está a destruir o teu país. O Trump é sábio o maluco do mexicano devia ser enviado para o país da treta dele!

 

KRIS

Uou! Calma, meu. Para que são esses argumentos xenófobos? Aquele gajo só estava a fazer o trabalho dele, o Trump é que se armou em parvo. 

 

LEONARD

Ah! E isso é uma boa razão para levar com o microfone na tromba?

 

KRIS

Leonard, eu conheço-te, tu farias a mesma coisa. Ele insultou o homem à frente de dezenas de pessoas. Para além disso, os mexicanos já estão com ele até à ponta dos cabelos. Se ele construir um muro enorme como promete, milhares de vidas vão ser destruídas. 

 

LEONARD

Eu prefiro que sejam as deles do que as nossas. 

 

KRIS

Ó, vá lá, meu! Por que carga de água é que só há-de haver mexicanos maus?

 

LEONARD

Eu não disse isso. A questão é e como o Trump diz: eles enviam o pior que têm para aqui: violadores, ladrões, assassinos... queres que eu continue?

 

KRIS

Mas este é dos bons, porque trabalha e contribui para o desenvolvimento dos Estados Unidos. 

 

LEONARD

Como é que sabes? Aquela empresa pode ser ilegal. 

 

KRIS

Porquê? Porque é mexicano? Se ele fosse branco, não punhas essa hipótese, n'é?

 

(LEONARD permanece em silêncio durante um momento)

 

LEONARD

Bem, a probabilidade era menor.

 

KRIS

Estás a ver? Racista dum cabrão! Puto, nunca julgues alguém por causa da reputação do seu grupo. Até o Trump disse que há um ou dois mexicanos bons no meio daqueles muitos milhares. 

 

LEONARD

Iá, mas ainda assim os maus são a maioria, por isso, para mim é um não.

 

KRIS

Ah, é? Então, quando precisares de comprar comida, vai ao Walmart do outro lado da cidade em em vez de ires à mercearia dos Rodríguez aqui da esquina. Pode ser que assim tenhas mais tempo para pensar na tua hipocrisia. 

 

(LEONARD assume uma expressão facial de frustração e de rendição)

 

Cena 2

(KRIS/LEONARD

KRIS está numa cadeira a ler uma revista e, de repente, LEONARD chega a tremer e com uma clara expressão de medo)

 

KRIS

Então, meu, está tudo bem? Senta-te e acalma-te.

 

LEONARD

(Ele cai na cadeira)

Ó, meu Deus, acabei de ter a pior experiência da minha vida! Fui assaltado.. 

 

KRIS

O quê?

 

LEONARD 

Sim, estava no caminho para casa e, de repente, um grupo de parvalhões rodeou-me. Queriam a minha carteira.

Eu recusei dar-lha, mas eles ameaçaram-me com facas. No entanto, o que se seguiu foi impagável. 

Um gajo mexicano saltou do telhado de uma casa e caiu mesmo em cima de um dos parvalhões. KO! A seguir, os outros tentaram atacá-lo, mas o que eles não sabiam era que o mexicano sabia alguns truques de combate bem fixes. Num minutos, estavam todos no chão. 

 

KRIS

Vês? Eu disse-te. 

 

LEONARD

Sim, sim, está bem. Enfim:

 

(Começa a tocar, como música de fundo, Imagine, de John Lennon e LEONARD levanta-se)

 

LEONARD

O que significa realmente ser bom? 

(Fala para o público)

Aqui está uma das maiores questões de sempre.

(Pausa)

Pensemos no significado da palavra por um momento: remete para algo de boa qualidade e desprovido de características desagradáveis. Porém, quando analisamos a História da Humanidade, este conceito nunca pára de mudar. 

 

KRIS

Especialmente em relação à comida. 

 

LEONARD

Isto também significa que as pessoas nunca sabem exactamente aquilo querem ou de que gostam. 

 

KRIS

(Levanta-se)

Portanto, afirmar que alguém é bom ou mau sem o conhecer é algo bastante errado de se fazer. Psicologicamente, os seres humanos são as criaturas menos estáveis da Terra e sejamos sinceros: nunca ninguém conseguiu livrar-se de ser bastante imperfeito ou, pelo menos, nunca nenhuma pessoa comum o conseguiu.

Por isso, se não temos certezas acerca de nós próprios, porque haveríamos de as ter em relação ao resto da humanidade?

 

Por: David Fernandes e Olavo Rodrigues